Eu
vivia sempre cantando e isso incomodava muita gente. Entretanto algumas outras
pessoas, mais comovidas, diziam: És tão alegre assim para estar sempre
cantando?
Mas eu nada respondia, apenas
continuava a cantoria. Continuava por que aquilo me trazia alegria e quando
cantava eu esquecia o mundo lá fora: Com as guerras, as maldades, as trapaças e
tudo mais que eu não queria mais ver. Já tinha fechado os olhos e decidido
permanecer na minha ilusão: Sonhar era definitivamente melhor e imponha sempre
coragem para viver.
Quando dava vontade, cantava. E quando passava
cantando... Alguns riam, me achando louca, outros paravam e diziam: Até que
tens uma linda voz.
Mas eu nunca acreditava muito nisso, então
sorria num singelo obrigado.
Numa das vezes me perguntaram se aquilo tudo
era amor, se o meu canto era de um coração ardente de paixão e eu, finalmente,
respondi alguma coisa:
- Sou apaixonada pela vida. Ela me fascina.
- Ah bom... Tá explicado.
E segui meu caminho, sem responder
mais alguma pergunta. Aonde chegava cantava e quando cantava alegrava quem quer
que fosse desde a moça ou rapaz mais triste até a (o) mais risonha (o). Sem
distinções de sexo, classe, apenas pela vontade de querer levar alegria.
Então um dia perdi alguém que gostava muito:
Um câncer impiedoso havia levado e eu, então, soube como era triste
ver alguém tão querido sumir em menos de dois meses. Era alguém que estivera a
vida toda comigo, alguém dos meus tempos de infância. Alguém que eu tinha total
certeza de que me amava e eu me senti impotente, pois nada podia fazer além de assistir e rezar. A
doença era fatal na maioria das vezes e mesmo assim até o último instante eu
guardava uma ponta de esperança de que ela se recuperaria e eu poderia
novamente vê-la sorrindo. Mas pouco tempo depois me vestia de um luto que quase
me mata junto: Eu adoeci de saudades. Fiquei tão fraca que pensei que não ia me
recuperar e fui parar no hospital, quase morta. Aquilo fora uma experiência
única... Minha vida mudou depois daquilo: Não tinha mais tanto medo de morrer.
A morte era gelada, mas nos enchia de paz. Era como se aos poucos você fosse
sumindo e, de repente, você não tinha mais consciência de que existia
ou de que houvesse existo. A falta de consciência da existência
nos retirava toda a dor, era isso que acontecia. Só para ter noção, indague-se:
se você não existisse, sentiria dor? Certamente que não.
Mas eu vivi, contrariando todos aqueles que se
alegraram com meu padecer e comecei finalmente meus estudos apos
uns três difíceis meses de espera e de dor: Manter a mente
ocupada parecia ter sido a solução, pois agora mal tinha tempo para lembrar.
Mesmo assim, foi difícil soltar a voz para entoar meu primeiro canto.
Ele saiu leve e tão tímido, que achei que não ia sair... Mas depois
cresceu e se espalhou de forma misteriosa, mais forte do que antes. Eu agora
cantava tão alto que mesmo as montanhas mais altas poderiam escutar aqueles
sons agudos e graves emitidos. Estava me recuperando e aos poucos voltava a
sorrir.
Aquele mundo se mostrava muito novo para mim. Imaginava que iria
encontrar muita gente interessante, sensível. O pior era que sempre esperava de
alguma forma catar algum resquício de sensibilidade em cada pessoa. Conheci
pessoas de fato sensíveis, amáveis, tão queridas que não imaginava um dia ter
que expulsá-las da minha vida. Algumas não despertando nada em mim, me
surpreenderam com tanta amabilidade e leveza de coração. Outras nem se quer se
aproximavam, nem também deixavam que me aproximasse... Permaneceram lá,
intactas como porcos-espinhos, envoltas em si mesmas de tão reservadas que eram. Não
houve com estas alguma troca de energia, nem boa nem má e talvez fosse até
melhor assim. Algumas pessoas jamais nós iremos conhecer o mínimo possível.
Essas a gente vê, diz um oi educado e deixa passar.
O
fato era que a esse mundo e qualquer outro que se apresentava para mim, minha
resposta era o canto: Cantava e o sorriso dançava por entre esses sons emitidos.
Era minha dádiva ter voz para cantar, pois quantos nem se quer tinham. Eu amava
as palavras, a poesia, a música e só por isso, também amava o universo.
Foi uma tristeza ontem: foi um ano sem música, sem voz, sem vontade de cantar... E só agora vejo a música
retornando para mim como um barco ao seu convés, fazendo paz em meu coração... Ah! por
que quando eu parei de cantar, meu chapa...
Foi a primeira vez que me vi triste.
Luanna Alves ( Vulgo Lua)